Se
fosse no século passado, uma invasão de cangaceiros botaria todo mundo
pra correr. Mas nesta época do ano, Serra Talhada, no sertão de
Pernambuco, se transforma na capital do xaxado. São Lampiões e Marias
bonitas de todas as idades, e as batalhas prometem esquentar.
Todos
entram em cena para vencer. O colorido das roupas e as coreografias
podem variar, mas ninguém perde o ritmo, marcado pelo barulho das
sandálias batendo no asfalto. E pensar que os moradores mais antigos não
gostavam nem de ouvir falar que eram da mesma terra de Lampião. O rei
do cangaço, que metia medo, hoje é famoso por atrair muita gente que vem
festejar os santos juninos como os cangaceiros mais gostavam: dançando
xaxado.
Nos desfiles nas principais ruas da cidade, nos palcos e nas escolas, um encontro com todos os sotaques.
E
todos os brasileiros entram na mesma cadência: orgulho do passado. E
vontade de aprender. Kennedy, de 12 anos, segue os passos dos mais
velhos. Ele se apaixonou pela dança. “A pessoa só tem prazer de dançar o
xaxado, que é uma cultura muito nobre, aqui em Serra Talhada, muito
boa. Quem provar, vai gostar”, garante Kennedy.
Lá,
todos garantem: o xaxado rejuvenesce. Dona Elza, 84 anos, taí pra
ninguém duvidar: “Eu fico jovem. Mais do que minha filha e minhas netas.
Se eu ficar em casa eu fico doente”, diz a aposentada.
O
xaxado espanta as doenças e faz bem para a alma desde o tempo do
cangaço. A coreografia que se vê no asfalto começou na terra seca, com o
som das sandálias arrastando no chão. Um sapateado onde os pés parecem
deslizar.
Foi
num cenário como este, em plena caatinga, que os cangaceiros criaram o
xaxado. O ritmo acelerado era acompanhado por uma dança nova, vibrante,
uma combinação perfeita para enfrentar a monotonia das longas jornadas
pelo sertão e festejar os resultados das batalhas. E um detalhe: os
cangaceiros estavam sempre de prontidão: eles dançavam armados.
“Os
cangaceiros faziam da arma, a dama. Até porque na época em que surgiu o
xaxado, ainda não havia mulheres no cangaço. Daí, pra não serem pegos
desprevenidos caso a volante aparecesse, caso chegasse algum inimigo,
eles dançavam fazendo da arma a dama, ela era a companheira inseparável
dos cangaceiros” conta Karl Marx, ator e dançarino.
Além
das armas, os cangaceiros vestiam roupas muito enfeitadas e cheias de
utensílios. O figurino podia pesar mais de vinte quilos e tanto peso
assim não era só vaidade não.
“Como
eles eram sobretudo nômades, tudo o que eles precisavam, eles
carregavam no corpo: as cabaças que eles usavam pra armazenar farinha,
água e também cachaça, nos bornais onde eles guardavam queijo, rapadura e
também carne seca", explica Karl Marx.
Até os anéis, quem diria, tinham mais de uma utilidade.
“Os
anéis que eles usavam pra ostentar o poder, a demonstração de riqueza,
também serviam na hora de dançar o xaxado, pra marcar o ritmo da dança”,
conta Karl Marx.
Trajetória de Lampião e seu bando virou acervo de museu
O
xaxado levanta a poeira e ajuda a manter viva parte da história do
cangaço. A trajetória de Lampião e seu bando virou acervo de museu - são
fotos, documentos e armas. Mas o pesquisador Anildomá de Souza não tem
dúvidas: “O xaxado é a herança mais bonita que os cangaceiros nos
deixaram”, diz Anildomá de Souza.
A
única filha de Lampião e Maria Bonita, Dona Expedita, de 82 anos, foi
criada por pais adotivos. Ela guarda na memória os poucos encontros que
teve com o pai famoso.
“Eu tinha medo até de olhar pra ele, com aquelas armas e com aquele negócio todo”, conta a aposentada Expedita Ferreira Nunes.
“Eu tinha medo até de olhar pra ele, com aquelas armas e com aquele negócio todo”, conta a aposentada Expedita Ferreira Nunes.
Hoje, Dona Expedita não esconde o orgulho de ser filha do criador do xaxado.
“Tanta
coisa que ele tinha pra pensar e ainda inventou uma dança, e essa dança
ficou na cabeça de todo mundo...é, pena que eu não sei”, lamenta Dona
Expedita.
O
bisneto de Zabelê, um dos cangaceiros de lampião, Luis Carlos, trabalha
como metalúrgico, mas é na arte dos antepassados que ele encontra
alegria de viver.
via,.juniorcampos
Blog do César Silva
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